*contém spoiler
Um homem
acorrentado em uma banheira. Sem rim. É assim que se inicia a estória do livro
Espíritos de Gelo, onde Raphael Draccon – que além de ser visivelmente um ótimo
escritor é brasileiro e dotado de um adorável sotaque carioca – traz em seu
primeiro livro fora da série Dragões de Éter o drama da realidade de um cara
que seria comum se não fosse o fato de que perdeu o rim e está sendo torturado
por isso.
Vamos com calma.
Ele perde o rim e de quebra ainda consegue um ingresso para um show de tortura
onde ele é o personagem principal? Sim, caros amigos. O fato é que ele não sabe
como foi perder o rim e precisa
lembrar não só disso, mas de tudo o que aconteceu até ele chegar onde está.
Para isso, três homens mal-encarados e com pinta de roqueiros (um deles,
inclusive, usa a camisa do Black Sabbath) passam a espanca-lo até que algo surja
quase que magicamente em sua memória. Dessa forma, você leitor, acompanha as
tragédias na vida do torturado em capítulos curtos, que se alternam entre as
lembranças do homem e suas conversas com seus torturadores, a partir de sua
tentativa de suicídio tão frustrada quanto sua vida.
Em 176 páginas,
não, em no máximo 10 páginas Raphael Draccon consegue se mostrar um talento que
ultrapassa gêneros e te hipnotiza seja qual for a trama do livro. Sua excelente
narrativa, ainda que em diferentes parâmetros, traz as suas belas metáforas em
quase todos os parágrafos, descrevendo tudo e tornando belos todos os sentimentos do infeliz protagonista.
Romance? Quase
nada. Sexo? Nunca é demais. Pra quem está acostumado a Dragões de Éter, ou
mesmo o recém-lançado Fios de Prata (que resenharei em breve, em parceria com Érica),
vai descobrir que esse poderia muito bem ser um livro de pornô. Foda é uma palavra usada normalmente,
como se fizesse parte do vocabulário da norma culta da língua portuguesa.
Espíritos de Gelo trás torturas e cenas de sexo de uma forma que faz você achar
que ou Draccon praticou em algum lugar, ou ele tem assistido televisão demais –
e eu sinceramente espero que ele tenha visto as torturas na TV ou em um livro
qualquer. Quanto ao resto... Bem, ele é casado e não devemos falar disso.
Além de tudo, traz
referências à cultura pop; Kiss, Beatles, Neil Gaiman, Ren & Stimpy. Até
Matrix. Embora talvez ele tenha pecado no excesso dessas menções, de alguma
forma o livro torna-se ainda melhor ao trazer até mesmo diálogos sobre o
significado demoníaco ou não nas capas de álbuns de bandas de rock e teorias de
conspiração. Sim, teorias de conspiração. Sabendo disso, torna-se claro que
este é o tipo de livro que deve ser terminado em no máximo uma hora. Dinâmico e
caceteiro, como dizem. Ou você lê, ou larga de uma vez. Simples assim.
Se você for um
bom leitor, vai perceber que o personagem principal não tem nome. Ele é... um
ser. Só isso. E, se quer saber, ele ter nome ou não, não faz a mínima
diferença. Na verdade, se ele se chamasse Mike provavelmente acabaria com a
magia (sim, magia) do livro. É uma inovação que caiu perfeitamente bem à trama.
Outro ponto
negativo que acho importante trazer é o fato de que o livro de forma alguma é
um conto de terror e horror. Pelo menos, não foi o que achei. Na verdade, dei
umas boas risadas com ele – mas sempre dizem que sou puxada ao sadiquíssimo. Se
você não riu ou rir ao ler, avise-me. Grata.
Em
contrapartida, se o objetivo do livro era ser inspirado em lendas urbanas,
então pode ser considerado um sucesso. É baseado na lenda do sujeito que toma
um “boa-noite, cinderela” de uma mulher, e tal como acontece com o personagem,
acorda sem o rim em uma banheira de gelo, e traz ainda alusões à outras lendas
urbanas – vide ao fato de que a própria história do rock já gira em torno de diversas
delas.
E como o livro
tem poucos pontos negativos, eu não posso economizar quando recordo de mais um:
as descrições do guru-do-sexo. Podem ser maçantes, mas nada grave. Ajudam na
compreensão do texto, portanto sou apenas eu sendo chata mesmo. E lembre-se, você está sendo submetido a um tratamento
radical para uma situação urgente. Compre o livro, leia e corra atrás de um
autógrafo. Eu? Tenho sete, obrigada!
Avaliação:
- 1 pelo excesso
de referências à cultura pop;
+ 3 pelas cenas
de sexo e de tortura muito bem descritas;
- 3 porque o
livro não é de horror (embora eu agradeça um tanto por isso);
+ 3 pela
originalidade ao não nomear o protagonista;
- 1 pelas
descrições quase chatas do guru-do-sexo aos seus iniciados;
+ 5 pelo talento
do autor (e por seu inegavelmente lindo sotaque);
+3 por lembrar
Neil Gaiman e citar Beatles;
Nota: 9/10.
Considerações
Finais:
O livro foi
lançado primeiramente em Portugal, e em seguida no Brasil. Publicado pela
editora Leya, em 2011. Compre aqui: Espíritos de Gelo – Submarino
Lisandra S. Bernardo tem 15 anos e gosta de chocolate, cinema e romance. Também curte abraços, fantasias e sorrisos, só não curte não ser feliz. |