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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Vítima de si


"Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz"

Fernando Pessoa
O mundo era frio. Sombras moviam-se pelas paredes escuras de uma realidade que lhe assombrava.  Espectros vazios, ferozes e estúpidos povoavam esse mundo. Era um local de tristeza, nada de bom florescia ai. O veneno perpetrado por eras de maldades decompostas matava qualquer verde, nublava qualquer luz, destruía toda vida.
E por isso fugia. Durante cada dia de sua breve existência, fugia. Frequentemente sentia que havia perdido, pego pelos fantasmas sádicos que assombravam cada um de seus passos.
Temia o sorriso, o sol, a esperança. Tudo que um dia fora bom e belo despertava-lhe pavor, pois sabia que nada era real, apenas sombras e ilusão.
Criou, então, seu mundo. Existia apenas dentro do emaranhado distorcido que chamava de mente. Fios de pensamentos desconexos formavam um oásis de paz, o último baluarte contra o terror que vinha de fora.
Protegeu-se de tudo que lhe fazia mal. O amor foi o primeiro dos banidos, expulso para longe, para que nunca retornasse. Logo seu coração endureceu, confortável em uma cama de dores esquecidas. A amizade também não entrava em seu pequeno país. Assim como todas as outras relações. Afinal, apenas ele existia. Todos os outros lhe deixavam doente.
Segui-se o Grande Expurgo dos sentimentos: confiança, coragem, tristeza, paixão, todos se foram. Por fim a felicidade era apenas uma lembrança borrada num passado distante. Tornou-se um desprezador, daqueles que torcem a boca para tudo. Pouco a pouco fortaleceu os muros, tornou-se uma criatura selvagem, acostumada apenas ao seu próprio cheiro.
Na tentativa de se salvar do mundo, sufocava-se, aos poucos, no esquife em que prendera o espírito. Mas agora, quando ele se tornara Tudo, encontrou em si os mesmos defeitos do mundo do qual fugira.
Pegou-se reinventando o amor, traindo a si mesmo, rindo e chorando. Louco. Descobriu, com a alma já destruída, que tudo vinha de dentro. As ilusões, os medos, o mal. Era tudo seu, não do mundo.
Ao se deparar com a verdade, verdade que procurara por tanto tempo, não foi capaz de encará-la. A culpa pesou sobre si, e era o peso da Humanidade, o fardo de todo homem.
Viu-se, então, acabado. Restara apenas uma réplica mal feita do que um dia ele fora, mais uma ilusão dentro de um mundo ilusório. Aceitou, por fim, o destino irremediável. Deitou-se. Entregou-se aos frios braços da Morte. Sorriu com sinceridade pela primeira vez. Estava, enfim, livre.
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