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terça-feira, 13 de novembro de 2012

Aquele sobre mudar e blá blá blá




Querida eu...

As palavras pareciam morrer na ponta da pena. Mesmo que se esforçasse, a tinta simplesmente não se derramava sobre a superfície amarelada do papel, para formar mais uma daquelas frases de efeito bastante clichês que todo mundo sempre coloca em cartões de aniversário. Se sentiu mal por um momento, já que aquela tarefa deveria ser fácil por si só, ainda mais quando o destinatário era sua própria esposa, que convivia todos os dias com ele, e que conhecia tão bem quanto qualquer outra pessoa. Colocou a mão na cabeça e fechou os olhos. Era um homem vivido, no auge dos seus 50 anos de idade, na melhor fase da vida, como tantos diziam. Em sua jornada pelo mundo, frases inspiradoras eram frequentes, mas nenhuma parecia apropriada. Talvez a importância da pessoa que receberia aquele pedaço fino de papel amarelado, que logo depois de escrito seria amarrado com uma fita vermelha em um buquê de flores brancas, fosse tamanha, que nada já criado era suficientemente bom.

Suspirou, cansado, afinal o dia havia sido cheio. E cheio de uma forma ruim. Podia ser até aquele um motivo para a sua falta de inspiração, mas não conseguia se convencer. Preferia pensar que era a sua vontade de mudar, de fazer a diferença. Estava farto de receber e enviar mensagens tão comumente usadas. Os famosos “você merece”, “nesse dia tão importante”, “te amo demais” ou “tudo de bom para você”. Aquela mulher que vivera tanto com ele deveria estar cansada daquilo também. Podia apostar que em seu perfil do Facebook não faltavam coisas desse tipo.

Foi então percebeu que queria mudar. Não só mudar num simples cartão de parabéns, mas em tudo. Estava louco para sair do mundo padronizado que era o que vivia, e começar por algo tão relativamente pequeno era um bom ponto de partida. Desde novo estava preso nos padrões do que uma maioria hipócrita pedia. Nasceu assim, cresceu assim, mas não estava nem um pouco disposto a permanecer assim. Morrer assim. E desta forma, rápida e repentina, uma luz vinda de não se sabe onde, iluminou sua cabeça. E as palavras viram como chuva de verão, inundando toda a extensão do papel.

...amanhã vou inscrever você no Teatro. E numa aula de música (porque você canta muito mal mesmo). Afinal, você quer ser atriz de musical, não é mesmo? Mas seus pais nunca deixaram quando nova, e agora a “idade avançada” não permite. Mas me deixe dizer algo: se nós continuarmos a nos prender aos problemas (que são tantos...), nunca vai existir nada para se deixar de “legado”. Não é o que todo mundo quer? Deixar algo para que toda a humanidade no futuro se lembre de você, por algum feito realmente marcante? Estou falando num tom sarcástico. Mas é isso mesmo. Acho que você tem que ir pra Broadway e fazer seu show, para que daqui à uns 200 anos, alguns alienígenas que vierem jogar a Terra fora, depois de nós termos a destruído por completo, ache algum registro do que você fez. E acho que eu, como seu marido (nossa, sempre tive vontade de dizer isso), tenho a responsabilidade de te apoiar nisso. E além do mais, quero te acompanhar em alguma viagem à Paris, para apresentar um de seus shows. 

Você deve se perguntar onde estão os parabéns, e os blábláblá’s de sempre, mas acho que sua cabeça já está dormente de tanto ler isso. Só posso dizer que te amo, e o espaço vazio está acabando. Comprei um cartão pequeno demais...


E terminou o cartão, se sentindo tão completo que era impossível de descrever.
Sobre o Autor:
João Victor Ferraz Não que alguém se importe, mas João é um sonhador, no começo de seus 15 anos, que só pensa em fazer Jornalismo e ter livros em todas as estantes do mundo. Isso mesmo, do MUNDO.
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