Alma de capitão (.De capitão) pirata
“O problema de ser o último em
qualquer coisa é eu aos poucos não restará mais ninguém.”
É
comum dizer que os piratas eram donos das ondas, mas não pode haver pior
mentira. Sempre foram conquistadores, rei de seus barcos, por sobre águas
selvagens, e estavam para as ondas muito mais como inimigos que às vezes se
entendem do que amigos que as vezes se desentendem.
E
assim como as ondas eram inimigas dos barcos, os piratas eram inimigos entre
si. Anne, capitã do Concha divina era tida como Deusa em seu convés, e como
puta no Convés de John, do Amantes das ondas – reza a lenda, tão mentirosa
quanto a outra, que havia em seu navio um jarro de vinho, misturado a água
salgada, que fazia com que as ondas se curvassem sob a vontade do capitão.
Já Salazar, o infernal, demarcava seu território
com o som de seu terrível alaúde acompanhado pela voz de cem cantores
escravizados, a corneta de seu imediato e a flauta de seu contra-mestre, em
canções que narravam as atrocidades que nunca havia feito com Stewart, o
estrategista, conhecido por anotar suas batalhas,primeiro a usar artifícios
como lâmpadas e bússolas em alto mar.
Apesar de tudo, nem sempre a recíproca era
verdadeira. Ainda que Anne quisesse todo o mar para si, Joe a amava, tal qual amaria qualquer mulher
com tino e coragem para comandar um vazio e assim como odiava qualquer homem
que se atrevia a tentar domar as mesmas ondas que ele, e os caçava
implacavelmente sempre precedido por seu apelido, “O Envenenado”. Apelido
injusto, por sinal. Rezava a lenda que sua espada era envenenada, mas hoje se
encontra no casebre, cega. Tão mortal e venenosa quanto qualquer outro dos
itens.
E por ultimo Jack, o
sem nariz. Apesar de não ter nariz, tinha faro para a desgraça. E isso o
fazia saber exatamente quem evitar ou o que, já que os inimigos de um homem do
mar nem sempre são outros homens do mar. Sua tripulação e frota cresceram, ao
longo dos anos. Ia recrutando náufragos e ex-tripulantes de outros barcos,
sempre pautando suas decisões em pura intuição. O primeiro dos dominadores
marítimos a cair foi Stewart.
Ele
podia e tinha tudo o que um humano pode ter a seu favor, exceto o sobrenatural.
Seu plano para a tomada da tripulação e dos conveses do Jack não contava com a súbita
mudança de outras inimigas sempre presentes em disputas piratas: as ondas.
Foram estas que deram fim a quase todas suas histórias e seus instrumentos,
excetos os que se encontram sob a mesa.
Já
as desgraças de Joe e Anne fora apenas assistidas por Jack, a distancia, como
não poderia ser diferente, já que ele farejou o que aconteceria naquele local,
sabe deus como. Foi retaliação, e não uma disputa que os levou ao óbito. Anne
cansou de ser perseguida em seu território pelo envenenado, e ainda que com
menor contingente e menos armamento, decidiu partir para a batalha.
A
manteve a seu favor por um bom tempo, em que Joe simplesmente se recusou a dar ordens à
tripulação de atacar a frota de sua amada, mas um dos marujos tomou sua espada
e seu comando, fazendo com que a verdadeira batalha se iniciasse. A essa altura
estavam ambos os capitães em pés de igualdade, e a batalha só findou quando as
ondas passaram a recolher os restos dos navios, e os poucos marujos que
restaram de ambas as tripulações eram acolhidos ou rejeitados no “Traidor
amaldiçoado”, tendo bens como munição, armas, tesouros e outros como uma espada
e uma concha confiscados por Jack, em troca de um esfregão e um balde, para
limparem o convés.
E
então, o ultimo embate entre os últimos piratas donos de um pedaço de mar já
grande demais para eles, longe demais de qualquer cidade a ser saqueada. Um
embate que, em verdade, ambos temiam vencer, mas apesar disso, piratas temem
mais ainda perder seus navios que qualquer coisa, e por isso a guerra é
necessária. Sim, guerra. Com direito a traições, muita pólvora e ondas tingidas
de sangue. Ondas essas que, presentes em tantas batalhas entre os dois, sem
outro vencedor que não elas, apenas assistiram, o fim de Salazar, ele e cada um
dos membros do “Coral demoníaco” serem dizimados e terem seus instrumentos
tomados pelos comandados do terrível Jack.
Jack
se transformou então em Jack, o ultimo ainda que relutasse em aceitar a
alcunha, na esperança de achar algum inimigo além das ondas. Ondas. Ainda que
tivessem estraçalhado inúmeros navios, fossem terríveis em tempestades, são só
isso. Apenas ondas, com sangue de pirata, mas sem alma de capitão. Alma essa que só restava em Jack, motivo pelo
qual nunca sofreu motim, mesmo decidindo por continuar a vaguear naquelas águas
inférteis.
Por
fim, ele decidiu que já não valia navegar se não pudesse exercer seu oficio,
tomou um navio e rumou para costa, navegando sozinho e as poucas batalhas
contra as ondas eram a parte mais tediosa da viagem. Não levou nenhum marujo
consigo, mas todos os objetos recolhidos ao longo das desgraças que seus olhos
tinham testemunhado.
Construiu,
na praia, uma casa de madeira. Não madeira do navio, jamais ousaria, podia ter
abandonado o mar, mas ainda era o Capitão Jack, o em nariz. O navio foi
entregue as rochas, como desejavam as ondas. Jack manteve guarda em sua casa o
resto da vida, aguardando que pudesse enfim se reagrupar no inferno com seus
inimigos. Jack morreu há muito tempo, e hoje a maior parte de seus ossos, tais
como outros tecidos não se encontram mais na casa, sobre a mesa. Sua única
parte que resistiu, foi o crânio, tal quais os objetos de Anne, Joe, Stewart e
Salazar. Todos mantidos intactos graças à história. Graças aos resquícios de
alma de capitães piratas.
Mais um texto escrito para a iniciativa do céu literário, que conta com grupo e fanpage no facebook. Os temas foram guerra e inverno e contou com as participações de Huirian, Mara, Lucas e Daniel.
Mais um texto escrito para a iniciativa do céu literário, que conta com grupo e fanpage no facebook. Os temas foram guerra e inverno e contou com as participações de Huirian, Mara, Lucas e Daniel.