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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

o jeito dos pássaros que não sabem dizer eu te amo



por érica prado & gilson santiago


Se ela me amarra e a única coisa que posso sentir é uma mescla de prazer. E depois a dor. Sou aquele cão que te espera todos os dias, mesmo que você não dê a mínima pra ele. Ela me amarra e eu não me liberto. Me enforco cada vez mais na corda com a qual ela me prende. Sim, porque quando não está usando, ela pendura a corda no cabide e ficamos pendurados pelo pescoço.

Se ela me guarda no armário, se ela só passa os olhos em mim e me arrasta para sua tempestade, o que posso fazer? Ela nunca me atou as mãos. Mas o nó da garganta já me serve como amarras. Ela me prende.

Eu ensinei a libertar.

E enquanto isso ela voa, porque nasceu livre. Porque querer prendê-la é burrice. Ela voa, vai longe, depois volta pra se alimentar no meu ninho. Ela voa e eu nem sei se sou passarinho.

Oh, mas eu não voo. Exceto quando penso em me atirar da janela. Quando o chão me abraça forte. Às vezes, tolo que sou, não sinto as amarras e acho que sou livre. Às vezes, acho que ela deixa as cordas tão frouxas que eu escaparia fácil. Mas para onde iria? Poderia vagar por aí, em busca de outros copos, de outros corpos. Mas qual frio me aqueceria e me esqueceria em seguida? Sei que sinto as amarras frouxas, mas não me atrevo a fugir. Gosto de me prender.

As amarras fui eu mesmo que atei... Pra ter algo que me liga a você. Você não pode me deixar só... não pode. Eu sempre espero que venha, pro teu próximo (re)pouso em meu seio. Me faz teu ninho e me aninha em você.

Acho que sou árvore. Frondosa árvore, quando você pousa, que me atei a esse solo. Fixei raízes prometendo nunca mais partir. A vontade assola a porta, às vezes. Mas penso no passarinho que você é e deixo-me preso aqui. Gosto de ser assim, embora saiba dos riscos de ser árvore quando a tua chuva me falta ou quando você me faz falta, me permito ser assim. Me permito, mesmo sabendo que tu voas por outras árvores.

Sempre se abrigando em outros ninhos. Só voltando quando sente falta do teu ninho. E eu, com todo carinho, te aninho em meu peito e deixo que faça morada. Um dia talvez canse de procurar os ventos do sul e se aquiete. Talvez, por acidente, machuques tua asa e eu tenha de cuidar até que tu mais uma vez partas sem me dar a mínima explicação. É esse o jeito dos pássaros que não sabem dizer eu te amo.

Mas você ama? Você me ama, passarinho? Eu não sei. Posso ser teu refúgio, teu abrigo enquanto chove. Enquanto vivo. Posso ser abrigo. Posso ser proteção, posso ser tudo. Posso ser tudo, menos pássaro. Só não posso te prender. Eu sempre te ensinei a libertar...

Passarinho, não voa agora, que agora chove. Passarinho, não se demora, não vai embora, que ainda não é hora de me fazer chover de lágrimas. Passarinho, não me abandona, aqui já tem o que você precisa. Passarinho, não voe tanto, quero o seu canto pra adormecer. Passarinho, não voe tanto, que eu sem seu canto sou medo e pranto e a ausência tua faz a dor nascer. Passarinho, você me ama? Só um pouquinho já vai bastar. Passarinho, diz que me ama,
de
va
ga
ri
nho,
pra dor passar.

Devagarinho, passarinho. Não voa. Acalenta teu calor que eu te aqueço. Não voa, porque eu não te esqueço. Não voa, porque sem você, os fantasmas me assolam. Passarinho, não quero te prender, mas não voa. Fica perto. Lá fora chove, faz teu ninho pra eu não ficar sozinho. Me canta uma história que eu ouço, só por gostar desse teu piar baixinho. Pia bem pianinho até eu adormecer.

Te deixo cultivar o que quiser em mim. Te deixo o ninho. Mas não me deixa sozinho. Eu esqueci como é ficar só e não quero lembrar. Ah, passarinho! Voa perto e lentamente. Não vá pra longe. Eu que te ensinei a libertar, me prendi em você. Você é livre, mas fica. Não sei o que fazer sem tua música pra me acordar. Ah, passarinho, se tu me amas, ainda que um pouquinho, ama-me baixinho.

Ama-me lentamente, sob o céu que tanto amas. Sou teu céu, passarinho. Voa em mim. Leve, me leve contigo, porque bebi dor durante a sua ausência e essa abstinência não me consola. Mata-me passarinho, com esse teu voo baixinho, desinteressado em meu sofrimento. Meu sofrimento que sempre transforma em canção no teu bico.


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