Sobre vermelho e preto
Primeiro a ruiva no bar. Seus lábios banhados em batom
vermelho e cerveja. Já deveria ser a décima ou décima primeira lata que ela
entornava. Fazia caprichosas pausas, onde nada falava. Ela não precisava falar,
nem eu tampouco. Sempre foi assim em nosso relacionamento que nunca foi.
Então o telefone toca. Estico a mão e a posiciono sobre o
telefone prestes a atender, e então entendo. Não é a bebida que me faz incapaz
de discernir o real do sonho, é o sono. Não é o bar envolto em mim, é meu
quarto. Não é a ruiva tentando contato, é a morena.
Ao ultimo toque, eu atendo. Minha ultima chance de escapar,
e eu deixo escapar. Escapar, sim. A Morena era a criatura mais linda, de
sorriso mais perfeito. Talvez não se pudesse dizer que era a mais inteligente,
nem tampouco que era a criatura mais fácil de lidar, mas nada disto a fazia
menos formidável. A única coisa que a fazia menos formidável era não ser a
ruiva.
Saber que a conversa será longa me faz querer não atender e
o dia passa, no telefone. Enquanto suas doces e engraçadas palavras me
consomem, e eu me provo mais uma vez mestre na arte de acordar e se arrepender
de cada decisão do dia, até por fim me arrepender de ter acordado.
Ela precisa ir. Enfim, estou livre. Livre para voltar ao
bar, na companhia da ruiva. Livre para voltar aos sonhos. Esse era meu maior
problema. O que quero não passa de sonhos.
E a realidade não passa de pesadelos.