Em homenagem ao Halloween, nós da Decadência resolvemos desafiar nós mesmos preparar um especial para vocês. A proposta foi escrever, em dois dias, um conto macabro para homenagear a data. E o que esses contos possuem em comum? Todos os titulos são canções de ninar. Lucas, eu e João Victor aceitamos o desafio e fizemos os contos. Particularmente, é meu primeiro conto de terror.
Espero que gostem.
Parte 1 – silent night (noite silenciosa)
Tac. Tac.
Federico cochilava sentado em
sua cama quando o barulho de cacos atingindo a janela de seu quarto fez com que
abrisse os olhos. Seus óculos estavam tortos no rosto e o livro que estava
lendo pendia amassado ao seu lado na cama. Ele concertou os óculos e tentou
desamassar o livro da melhor forma possível, enquanto o som de cacos batendo na
janela retornava:
Tac. Tac. Tac.
Geralmente, quando ouvia esse
som, era sua namorada, Christine, que lhe fazia uma visita noturna. Federico
tinha noção do quanto estava desarrumado. Tentou ajeitar os cabelos na frente
do espelho e tirar a expressão de cansaço do rosto antes de abrir a janela.
Mas não havia ninguém lá.
Ele se inclinou sobre o
parapeito, tentando enxergar melhor o chão ao longe, mas ela não estava parada
esperando, como deveria; olhou para os lados, porém a rua parecia deserta.
– Chris? – disse ele para a noite.
– Chris? – disse ele para a noite.
E um sussurro fraco, quase
inaudível na noite, respondeu:
– Estou aqui.
Federico sorriu e passou a perna sobre o parapeito,
pulando da janela para a sacada. O vento frio agitava seus cabelos, desfazendo
a precária arrumação anterior, e ele olhava para o chão quatro metros abaixo de
si, procurando uma maneira de descer. Talvez pudesse alcançar a janela do
térreo se ficasse pendurado na sacada.
Ele se virou de frente para a
janela do quarto, se posicionando para descer, e deparou-se com o rosto de
Christine a centímetros do seu.
– Federico! – ela o segurou
pelo colarinho da blusa bem a tempo, porque o susto o havia desestabilizado e
Federico quase perdeu o equilíbrio.
– Como você... – balbuciou,
enquanto voltava a se endireitar.
Ela riu.
– Você é tão previsível...
Federico acariciou os longos
cabelos ondulados da namorada, enquanto o vento forte fazia alguns fios
grudarem em seus lábios cor de vinho. Quando ela ergueu a mão para acariciá-lo
também, ele viu.
– Que marcas são essas? –
perguntou, apontando para o pulso dela. Horríveis cicatrizes vermelhas
brilhavam, circulando seu antebraço como pulseiras.
– Não estou vendo marca
nenhuma – alegou ela, segurando-o pelo queixo e virando seu rosto para que ele
olhasse nos olhos dela. Foi nesse momento que ele notou que o vento forte não
vinha da rua, mas de dentro do quarto, jogando os cabelos de Christine para
frente,sobre seu rosto.
– O que está acontecendo,
Christine? O que você veio fazer aqui, me assustar?
Ela pareceu não se alterar com
o tom grosseiro do namorado.
– Vim te colocar para dormir,
meu amor. – E então beijou-o. Seus lábios pareciam ácidos, líquidos. Era como
se Federico estivesse tomando um copo de vinho. – Durma bem, meu principezinho.
E suas mãos macias em seu
colarinho o empurraram para a noite gelada e para o chão distante.
Tac. Tac.
Federico acordou sobressaltado
de seu cochilo, o peito arfando, os óculos tortos no rosto, o livro que estava
lendo pendia miseravelmente amassado. Ele tentou desamassar o livro da melhor
maneira que pode, enquanto ouvia novamente o barulho de cascalho atingindo a
janela.
Tac. Tac. Tac.
Ele permaneceu na cama.
Foi só um sonho. Um sonho. Apenas um sonho. Ele ficava repetindo
para si mesmo, mas ainda assim não conseguia levantar os pés da cama para abrir
a janela.
– Christine? – sussurrou,
certo de que se estivesse fazendo papel de otário ninguém presenciaria. – Você
está aqui? Está no quarto?
Toc. Toc. Toc.
Agora o som vinha da porta
fechada. Alguém batia. Talvez fossem apenas seus pais, ou talvez fosse
Christine, mas como ela teria conseguido chegar até lá?
Federico ponderou se deveria
ficar em silêncio, fingindo dormir, antes de perguntar:
– Quem é?
– Christine – sussurrou uma
macia voz feminina do outro lado da porta. – Me deixe entrar antes que alguém
acorde e me veja aqui.
Federico levantou-se trêmulo
da cama. Foi só um sonho.
– Como você chegou aqui? –
perguntou através da porta, segurando a maçaneta.
– Depois eu te explico, me
deixa entrar!
Ele permaneceu em silêncio,
respirando fundo e tentando perder o medo. Ela não poderia atirá-lo da janela
dali, poderia? Ele só teve um sonho ruim.
– Federico, o que está
acontecendo, por que você não me deixa entrar? Se seus pais me pegam aqui...
Ele não teve coragem de abrir
a porta.
– Vá embora, Christine –
respondeu. – Eu vejo você amanhã, vai pra casa agora.
Houve um breve silêncio do
outro lado, e um suspiro.
– Eu não posso ir embora – ela
revelou.
– E por que não?
– Porque eu estou amarrada e
muito machucada. Eu não consigo andar, Nem me mexer.
– O quê? – Lembrando-se das
marcas dos pulsos, Federico abriu a porta imediatamente, mas ela não estava no
corredor. – Christine? – chamou, encarando o breu à sua frente, repleto de
pânico.
– Estou aqui – disse uma voz
vinda de dentro do quarto.
Ele se virou tão bruscamente
quanto bateu a porta.
Christine estava sentada na
sua cadeira do computador, girando e girando, com os pulsos amarrados para trás
e o corpo coberto de sangue. Ele podia ver os machucados das algemas em seus
pulsos, tal qual os do sonho. Cortes profundos haviam retalhado sua testa e
bochechas e a cabeça dela pendia para trás, com os cabelos jogados sobre o
espaldar, com olhos e boca muito abertos.
Federico cobriu a boca com a
mão para não gritar.
Sangue escorria pelo chão,
manchava de vermelho o tapete azul e ameaçava chegar até seus pés. Ele recuou
até encostar na porta atrás de si. E Christine girava e girava...
No espelho do guarda roupa
encarava-o o reflexo dela, com o rosto arrancado, as órbitas podres... No
monitor do computador, outro reflexo tinha a boca cordada de orelha a orelha,
com o nariz e os olhos enfiados nela... No reflexo do brilhante sangue do chão,
ela tinha as mãos costuradas no rosto... E no copo d’água do criado mudo ela se
afogava...
Mordendo as costas da mão com
toda a força para não gritar, ele se virou para fugir, mas, ao abrir a porta,
Christine o esperava sorridente no corredor. Ele não sabia se fechava a porta,
se preferia a Christine sorridente ante à garota amarrada em sua cadeira.
– O que você quer? – perguntou
com a voz abafada, porque a própria mão tapava a boca. Sangrava, de tanto ele
morder.
– Te colocar pra dormir.
Federico a deixou entrar
temendo que, se fechasse a porta novamente para ela, a figura agonizante na
cadeira voltasse a aparecer.
Ela sorriu.
– Não se preocupe, você vai
acordar.
Trêmulo, ele tirou a mão da
boca e se caminhou para as mãos estendidas dela. Christine o guiou para a cama
e ele se deitou em seus braços, quase se esquecendo do terror que causara,
sentindo o cheiro que ela emanava, cheiro de rosas, morangos e sangue...
sangue...
Como prometido, Federico
acordou. Um cheiro forte invadia suas narinas, mas não era mais sangue: era
cheiro de podridão.
Foi só um sonho, repetiu para si mesmo, mas não quis abrir os
olhos. Tateou ao seu redor. Estivera deitado no chão.
– Christine? – chamou. E então
mais alto. – Christine!
Mas não houve resposta.
Inevitavelmente, seus olhos se
abriram. Mas foi como se não o tivessem feito: a escuridão engolia o local. Tateou
novamente pelo chão, e suas mãos encontraram uma substância viscosa. Elas tremeram
no caminho até o seu nariz, mas Federico não saberia dizer se aquilo fedia
miseravelmente porque todo o resto fedia, ou se a substância fazia parte da
fonte do odor.
– Christine! – tentou ele
novamente. – Christine!
E desmaiou.
Despertou com o som de uma
porta abrindo e a claridade que vinha por trás dela quase o cegou. Demorou alguns
segundos para seus olhos se acostumarem e virem uma silhueta cortada contra a
luz.
– Christine? – sussurrou. E foi
tudo o que conseguiu dizer.
A figura entrou e fechou a
porta atrás de si, trazendo a escuridão de volta.
– Por que não ligou a luz,
bobinho? – perguntou a voz dela, vinda de algum canto à sua frente. Em seguida,
alguns passos e o clique de um interruptor sendo ligado.
Federico teve que proteger os
olhos contra a luz insuportável que atingiu o local. Demorou alguns minutos até
que pudesse se acostumar com a claridade e abrir os olhos devagar.
Christine estava lá, de pé à
sua frente, com seu jeans e sua camiseta. Olhava-o de cima, mas com ternura.
Ele olhou ao redor. Uma dezenas
de corpos estava jogada na sala branca. O sangue, a carne podre, os olhares que
ela sequer teve a decência de fechar e que agora decompunham-se sem dignidade. Havia
cadáveres de onde os rostos haviam sido arrancados, outros onde as mãos foram
costuradas aos rostos. Um deles tinha a
boca cortada de orelha a orelha e nariz e olhos enfiados nela; outro estava
amarrado numa cadeira da mesma forma que Christine estivera em sua visão.
– Onde eu estou? – perguntou a
ela.
– No meu circo.
Ela puxou sua cabeça para
trás, pelo cabelo, pegou um pequeno canivete no bolso de traz do jeans e o
enfiou no ouvido de Federico, girando e girando como uma broca. O fedor o
deixava tonto e a dor ia chegando ao seu cérebro. Ele tentou empurrar a mão
dela, mas só conseguia tremer de dor.
Grite, disse ele a si mesmo. Grite,
essa dor é insuportável.
Grite, grite...
E um sussurro chegou ao seu
ouvido ainda bom antes que ele apagasse:
– Shhh... Durma bem, meu
principezinho.
Tac. Tac. Tac.
Federico acordou com o som de
cascalho batendo na janela do quarto. Seu óculos estava torto dobre o rosto, o livro que lia pendia amassado ao seu lado...
Érica Prado tem 16 anos, pretende cursar história, ouve metal e reclamações o tempo todo. Gosta de coisas fáceis tipo miojo e, portanto, não gosta da vida. Não, você não pode simplesmente gostar dos dois. |