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domingo, 11 de maio de 2014

Sobre a dor que nos une

O garoto considerou seriamente dar meia-volta e refazer o caminho para casa, mas não o fez. Não havia falado com a Sra. Hummel desde que o enterro de Logan, e sabia que devia ao menos checar como as coisas estavam para a família.

Ele e Logan não eram amigos de infância, embora se conhecessem há uns bons anos. É claro que não poderia se afastar completamente e voltar a se aproximar da família apenas quando tudo estivesse melhor, mas a ideia de lidar com a tristeza de uma mãe o assustava. Ele nunca soube lidar com pessoas chorando, especialmente mulheres, mas a verdade é que considerava ir embora naquele mesmo momento porque não tinha certeza se ele próprio aguentaria a situação.

Sua mão ergueu-se no ar e ele tocou a campainha, sem nem mesmo perceber o que estava fazendo, mas era melhor assim. Agora não teria como escapar. A porta se abriu pouco depois, e ele reconheceu a Sra. Hummel atrás dos olhos tristes e da aparência cansada, que a deixava parecendo mais velha do que realmente era.

— Oh, querido. — Ela murmurou, e ele não pode dizer se o sorriso fraco que se abriu em seu rosto era sincero ou apenas para tentar mascarar a tristeza. — Entre, entre.

A mulher abriu a porta um pouco mais, para que o jovem passasse. Assim que ele o fez, ela o conduziu pelo corredor em direção à sala de estar, murmurando algo sobre ir preparar um café para que ele tomasse, enquanto ele poderia esperar na sala.

Ele não fez qualquer objeção, mas não pode evitar a surpresa ao chegar no cômodo. A casa dos Hummel sempre fora muito organizada, com exceção do quarto de Logan, mas não era a típica limpeza e organização que o aguardava. Em vez disso, a mesa de centro e os sofás estavam tomados por álbuns de fotografias, folhas de papel com o que o garoto reconheceu serem rascunhos do logotipo em que estavam trabalhando para a banda.

Do mesmo jeito que ele havia se assustado com o estado incomum em que o ambiente se encontrava, outra pessoa também parecia um bocado surpresa com a chegada do rapaz. Em um dos únicos lugares do sofá não ocupado pelas coisas que um dia foram de Logan, uma menina estava sentada.

Ela parecia bastante entretida com o álbum de fotos aberto em seu colo, mas levantou o olhar quando o garoto entrou na sala, e enxugou rapidamente uma lágrima solitária que escorria pela sua bochecha.

Ainda que não soubesse diferenciar bem se a surpresa que o tomava era por, de fato, não saber lidar com pessoas chorando ou por reconhecer na garota a sua frente a mesma com quem havia falado no cemitério, cerca de uma semana atrás. Ela agora parecia decidida a evitar o olhar do rapaz, e enrolava o longo cabelo loiro num nó malfeito e enxugava, discretamente, mais uma lágrima.

O jovem se aproximou discretamente, tirando da poltrona uma pilha de camisas que ele sabia que pertenciam ao amigo, para que pudesse se sentar. Esticou a mão até a mesa de centro, puxando para si alguns dos rascunhos de logotipo.

— Ele tinha talento. — A menina quebrou o silêncio, de repente, mas dessa vez ele não se sobressaltou.
— É. Eu e os outros caras opinamos na maioria dos rascunhos, mas a base é toda dele, não mudamos muitos detalhes. — O garoto respondeu, lentamente, antes de acrescentar para si mesmo. — Provavelmente porque éramos muito parecidos, mas não acho que isso signifique muita coisa.

Ela não respondeu, talvez nem mesmo tivesse ouvido. Seu olhar havia voltado para as fotos, e embora não chorasse mais e nem seus olhos estivessem vermelhos, sua aparência era de cansada.

— Você é o Caleb? — Ela perguntou, suavemente, e o rapaz a olhou, interessado.
— Como você sabe?

Era engraçado como eles mal se olhavam, mas, ainda assim, ele podia perceber tantas emoções nos olhos da jovem. Talvez porque fossem de um azul claro como o céu e transparente como água. Talvez porque, no fundo, ele se sentia como ela. Dessa vez, ele não pôde perceber nada em seus olhos, mas o sorriso discreto em seus lábios não passou despercebido.

— Minha tia falou sobre você. E sobre os outros também. — Ela contou, indicando uma das fotos espalhadas na mesa. Só então o garoto reparou que ele próprio estava na foto, junto de Logan e dois outros rapazes. — Ela realmente acha que vocês tinham talento…

Caleb ficou sem palavras. Sabia que Rose Hummel não era contra a banda que Logan decidira montar com os amigos, mas em nenhum momento ela se mostrou a favor, também.

— Está sendo difícil para ela, não é? — Ele perguntou retoricamente, mas ela respondeu.
 —E para mim. E para todos os outros. Mas para ela principalmente, sim.

Nenhum dos dois teve tempo de dizer mais nada. Rose entrou na sala pouco depois, carregando uma bandeja com uma xícara de café e um pratinho com biscoitos. A mulher a deixou na mesa, de frente para os jovens, e enxugou as mãos no avental amarrado na cintura.

— Desculpem a demora, eu precisei… — Ela parou de repente, abanando as mãos como se o assunto não fosse importante. Seus olhos ficaram ligeiramente úmidos, mas ela se recompôs rapidamente. — Enfim, não importa. Vejo que já conheceu a Lynn?
— Sim, sim, nos conhecemos há alguns dias. — Ele comentou.

A garota mantinha-se quieta, voltando a atenção ora para a conversa dos outros dois, ora para a fotos de quando o primo era criança. Rose a olhou, ligeiramente surpresa.

— Oh, é mesmo? — Perguntou, embora não tenha esperado resposta. — De qualquer forma… Caleb, querido, você queria alguma coisa?
— Só ver se está tudo bem. — O jovem contou, timidamente.

A expressão da mulher mais velha se suavizou, e ela arriscou um sorriso fraco.

— Está, sim. Bem, é claro que podia estar melhor, mas estamos fazendo o que podemos.

Caleb achou ter visto o sorriso fraquejar por um segundo, mas embora tenha sido rápido demais, ele não duvidava que o lampejo de tristeza havia estado lá. A sala caiu em um silêncio desconfortável, até que a Sra. Hummel voltou a falar.

— Bem, se não se importam, eu preciso subir… Estou separando algumas roupas do Logan, vou doá-las para a caridade. Fiquem à vontade, sim? — Dessa vez, ela nem mesmo tentou esconder o cansaço no olhar e na expressão, apesar de o sorriso fraco continuar nos lábios.

 Caleb suspirou, quando a mulher já não podia ser vista do alto da escada. Lynn o olhou de relance, curiosa.

— Não é preciso ser um gênio para saber que não está nada bem, não é?
— Não. — Ela disse, simplesmente. — Ela chora boa parte da noite. As vezes durante o dia também, quando acha que ninguém pode ouvir ou ver. Mas ela está tentando, de verdade.

O garoto concordou com a cabeça, antes de levar as mãos ao rosto, esfregando os olhos. Ele recostou-se na poltrona, suspirando, e tendo todos os movimentos observados cuidadosamente por Lynn.

— Uma hora as coisas vão melhorar. — Ele murmurou, mais para si mesmo do que para a garota.
— Eu sei. — Ela concordou. — Mas não adianta esperar pela luz quando a gente está no escuro. Temos que acender uma vela nós mesmos.

Caleb a olhou, curioso, mas a menina não sustentou o olhar dele por muito tempo.

— O que quer dizer?
— Todos sentimos a falta do Logan. E não tem como superar isso de uma hora pra outra, mas não faz bem ficar revivendo o passado.

A frase pairou no ar por quase um minuto, e ambos os adolescentes pareciam perdidos em pensamentos demais para notar a presença um do outro.

— Um passo de cada vez. — Caleb disse, por fim. Ele se levantou e retirou o álbum de fotos que ainda estava no colo da garota, fechando e colocando-o sobre a mesa.

Ela não o respondeu, e ele abaixou o olhar, sem graça. Antes que o silêncio se instalasse por muito tempo de novo, o garoto pigarreou, atraindo a atenção para si.

— Acho que eu já vou. Não há muito que eu possa fazer, de qualquer forma…

Lynn acenou positivamente, com as mãos nos bolsos do short jeans que usava. Ela o guiou pelo corredor em direção à porta de entrada da casa, e ambos pararam no batente da porta, sem saber como se despedir.

— Se despeça da sua tia por mim. — Ele falou, por fim, antes de se arriscar com um sorriso torto: — E não se esqueça de acender a vela.
— Usarei uma lanterna, se precisar. — Lynn respondeu.

Caleb riu baixo, antes de seguir pelo jardim, em direção à rua. Ainda estava no escuro, mas pelo menos agora tinha uma consciência maior de que não estava sozinho.
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