Às vezes a saudade vaza dos
olhos. Grossa ou fina, cedo ou tarde, sempre vaza. Saudades do Preto e do
Amarelo. De cada um dos meus castelos imaginários, saudades dos meus tempos de
estrela, de mamãe e do papai. Saudades dos mortos e também de tudo em mim que já
morreu.
Sinto saudades de minhas asas, de
voar com elas por sobre a vida e sobre a morte, saudades de Oscar, Vera, Cecília, Lúcia e Quico,
saudades do que vivi e do que vi viverem, saudades de Val vendendo pó na
esquina, por que não? Saudades até mesmo do Príncipe branco.
A saudade não se acaba, mas para de escorrer. Volta-se para
dentro. Passa a ser saudade do Roxo e do Vermelho, das masmorras de meus próprios
castelos, saudades das mortes e das vidas que não tive. De ser mãe, de ser avó e
de ter uma família. Saudades do amor.
Saudades dos dragões, cuspidores de liberdade. Saudades de
ser humana e de sentir. Saudades dos que ainda verei viver e de Val vendendo pó
na esquina, por que não? Saudades até mesmo do príncipe branco. Por que a
diferença entre a saudade que vaza e a que fica é a mesma da saudade e da
vontade.
É o tempo. Mas o tempo não existe. Nunca existiu. Nunca
existirá. Assim como eu, você e este conto. Só o que existe é a
saudade que escorre e a que fica. Só a saudade e a vontade.