"As dores dos homens seriam menos agudas se eles não... Deus sabe porque eles são feitos assim! Se ocupar com tanta assiduidade da fantasia, chamar de volta a lembrança dos males passados, ao invés de tornar o presente suportável..." - Goethe
O que poderia ter sido uma lágrima transformou-se num tênue
sorriso de escárnio. Escárnio de si mesmo, ao recordar as ardilosas tramas do
amor, que nos enveredam pelos mais dolorosos e inesperados caminhos. Já não
chorava mais. O choro foi seu único companheiro por muito tempo, mas até a essa
triste companhia ele havia renunciado.
Recordava-se de quando era jovem, nos tempos em que o coração saltava de amor
em amor numa rapidez estonteante. O sorriso ainda era pueril e sincero, o corpo
viril exalava vida. Naquela época sua dor teria passado. Bastaria colher uma
nova flor no interminável jardim da juventude e o amargor dos sentimentos
rasgados seria facilmente esquecido.
Agora, quando o corpo já declinava, quando sua boca só conseguia desenhar o sorriso cansado de quem passou pelas derradeiras desilusões do amor, sua dor se tornava constante. Um problema crônico sem qualquer chance de cura. Tornara-se parte de quem era.
Agora, quando o corpo já declinava, quando sua boca só conseguia desenhar o sorriso cansado de quem passou pelas derradeiras desilusões do amor, sua dor se tornava constante. Um problema crônico sem qualquer chance de cura. Tornara-se parte de quem era.
Ainda se lembrava dela. De seus profundos olhos negros, da voluptuosidade de
seus seios, na forma provocante de seus contornos. Porém,
a memória que ficara gravada de forma mais intensa foi a de suas costas ao
partir. Com os longos
cabelos tocados pelo vento, sem dizer o último adeus ela se foi. Desde então o
tempo se arrastou pelas incontáveis horas de solidão. Solidão à qual seu
espírito se entregara quase espontaneamente, como que decidido a sofrer apenas
as dores antigas, temendo, provavelmente, encontrar novas no mundo externo.
O escárnio em seu rosto era o reflexo da sombria consciência de suas fraquezas.
Não tinha qualquer dúvida de que cada uma de suas ações havia o levado até ali.
Não procurava mais consolos, todo sentido que existia em tentar fugir de sua
condição se esvaíra junto com seu último sonho.
Encontrou na solidão seu único refúgio. Era como uma cama extremamente dura,
cujos lençóis negros bordados de penumbra o envolviam cada vez mais, conforme
se afundava nos abismos de sua alma. Assim velaria a própria vida, olhando
taciturnamente pela janela, esperando que seu enterro passasse.