Home

sábado, 1 de dezembro de 2012

Memórias de um vencido





 "As dores dos homens seriam menos agudas se eles não... Deus sabe porque eles são feitos assim! Se ocupar com tanta assiduidade da fantasia, chamar de volta a lembrança dos males passados, ao invés de tornar o presente suportável..." - Goethe


O que poderia ter sido uma lágrima transformou-se num tênue sorriso de escárnio. Escárnio de si mesmo, ao recordar as ardilosas tramas do amor, que nos enveredam pelos mais dolorosos e inesperados caminhos. Já não chorava mais. O choro foi seu único companheiro por muito tempo, mas até a essa triste companhia ele havia renunciado.
Recordava-se de quando era jovem, nos tempos em que o coração saltava de amor em amor numa rapidez estonteante. O sorriso ainda era pueril e sincero, o corpo viril exalava vida. Naquela época sua dor teria passado. Bastaria colher uma nova flor no interminável jardim da juventude e o amargor dos sentimentos rasgados seria facilmente esquecido.
Agora, quando o corpo já declinava, quando sua boca só conseguia desenhar o sorriso cansado de quem passou pelas derradeiras desilusões do amor, sua dor se tornava constante. Um problema crônico sem qualquer chance de cura. Tornara-se parte de quem era.
Ainda se lembrava dela. De seus profundos olhos negros, da voluptuosidade de seus seios, na forma provocante de seus contornos. Porém, a memória que ficara gravada de forma mais intensa foi a de suas costas ao partir. Com os longos cabelos tocados pelo vento, sem dizer o último adeus ela se foi. Desde então o tempo se arrastou pelas incontáveis horas de solidão. Solidão à qual seu espírito se entregara quase espontaneamente, como que decidido a sofrer apenas as dores antigas, temendo, provavelmente, encontrar novas no mundo externo.
O escárnio em seu rosto era o reflexo da sombria consciência de suas fraquezas. Não tinha qualquer dúvida de que cada uma de suas ações havia o levado até ali. Não procurava mais consolos, todo sentido que existia em tentar fugir de sua condição se esvaíra junto com seu último sonho.
Encontrou na solidão seu único refúgio. Era como uma cama extremamente dura, cujos lençóis negros bordados de penumbra o envolviam cada vez mais, conforme se afundava nos abismos de sua alma. Assim velaria a própria vida, olhando taciturnamente pela janela, esperando que seu enterro passasse.
Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário: