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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O Vendedor de Tempo




Este conto é o trecho de uma história minha. Christer Baranov é um personagem e O Vendedor de Tempo é um conto escrito por ele. Não passo, portanto, de reles mensageira.


O vendedor de tempo
Por Christer Baranov

Tudo começou quando Fortunio Petrov percebeu o quanto as pessoas andavam apressadas, reclamando da falta de tempo, reclamando que reclamar da falta de tempo  tomava tempo e então parando de reclamar para correr por todos os lados e no fim reclamar que não deu tempo.

Mas Fortunio tinha tempo de sobra. Quando tinha 12 anos, colou nas paredes dos corredores da escola anunciando seu novo produto: tempo. Assim dizia o cartaz:

“Há algo em seu dia que você queria poder descartar? Algo que o faz perder seu tempo, quando poderia estar fazendo outra coisa? Ligue para o telefone abaixo e nós, da Equipe de Vendedores de Tempo, faremos em seu lugar!”

E embaixo, em letras miúdas, havia um P.S.:

“Não fazemos faxina.”

Fortunio não possuía uma equipe de vendedores de tempo, é claro, e tinha que dar conta sozinho de todos os pedidos. Começou com os trabalhos de escola, copiando dos livros para os cadernos os textos que alguém havia sido encarregado de criar. Partiu, então, para entregas e recados e depois para alguns trabalhos mais complexos, como relatórios de reuniões importantes.

Os anos foram se passando e Fortunio já contava 17 quando passou a preencher ocasiões mais pessoais. Satisfazia namoradas, projetava desculpas elaboradas, escolhia presentes (com cartão especial era mais caro), comparecia a festas.

Ele não se preocupou em ir para a faculdade. Com o dinheiro que arrecadara e continuava arrecadando podia sustentar-se pelo resto da vida – ou, pelo menos, pelo resto da saúde.

O que Fortunio não percebia era que o tempo que vendia não mais era dele. Outras pessoas o compraram e não há devoluções nesse caso. Fortunio gastava seu tempo, dava seu tempo, vendia seu tempo e ficava sem nenhum.

Certo dia, quando já passava dos 30, recebeu uma proposta milionária. Um velhaco lhe disse:

– Dou todo o dinheiro que pedir, se me der em troca todos os seus anos.

– Se é por todos os meus anos, então quero todo o seu dinheiro.

O velhaco aceitou e marcou então com Fortunio em sua casa para que a transação fosse feita. Ele chegou cedo na mansão que logo seria sua e encontrou o negociante já de pé. Sobre a escrivaninha de seu escritório havia uma grande quantidade de folhas brancas contrastando com o negro do ébano.

– Este é o nosso contrato – disse. – Sugiro que o leia com atenção.

Mas Fortunio não deu atenção às palavras cansativas e a quantidade de parágrafos pulados era maior que a quantidade de parágrafos lidos. Queria logo ter todo o dinheiro que lhe havia sido prometido e, seja o que for que o velho quisesse dele nos anos seguintes, ele teria dinheiro suficiente para comprar a justiça e simplesmente não pagar. Na verdade, mesmo se resolvesse ser honesto com o homem, não seria por muito tempo pois ele logo morreria e Fortunio estaria livre.

Assinou sem pensar duas vezes e o negociante fez o mesmo. Até ver a assinatura ele sequer sabia que seu nome era Onofre.

– Já fez suas malas? – perguntou Fortunio em sua excitação incontida.

– Não será necessário.

– Como não? A casa não é minha agora?

O velho Onofre sorriu.

– Logo a terei de volta.

Aquele momento foi a primeira vez em que Fortunio desconfiou de toda a situação. Que queria aquele homem que ele fizesse pelo resto da vida? Que diziam as linhas não lidas do contrato? Havia ele sido enganado? Ele, sempre tão honesto e disposto a ajudar os outros! Ele, Fortunio, que dispunha de uma grande carreira em seu ramo. Ele que era um inovador, um empreendedor!

Que haveria nos planos daquele velho?

– Dê-me o contrato – pediu. – Quero relê-lo.

Mas o sorriso do outro o dizia mais do que ele queria saber.

– Não acho que terá tempo para lê-lo.

Fortunio sentou-se em uma das cadeiras de espaldar reto que ficava em frente a escrivaninha.

– Como assim não terei tempo?

– Ora, você não acabou de vendê-lo a mim? O tenho agora.

Seus olhos o enganavam, Fortunio sabia, mas os cabelos brancos e ralos do velho pareciam escurecer vagarosamente.

– O que está acontecendo? – perguntou.

A resposta viria, caso os dentes do homem não tivessem caído todos de vez. Não, não estavam caindo, estavam nascendo e expulsando, numa cena nojenta e bizarra, a dentadura de sua boca enrugada.

Mas não tão enrugada assim. Fortunio a achara muito enrugada quando o vira antes, mas agora ela parecia mais lisa e tinha também mais cor. A dentadura agora pendia na mão e o sorriso naquele rosto era formado por dentes de verdades – e que ficavam cada vez mais brancos. As olheiras começaram a diminuir e a calvície sumia no cabelo que agora inegavelmente estava ficando castanho escuro.

Fortunio sentiu-se cansado. Escorou o cotovelo na mesa à sua frente e a testa na mão.

Notou, então, que sua pele estava diferente, mais flácida. Desviou a atenção do espetáculo que o homem a sua frente representava. Olhou para as próprias mãos: estavam enrugadas, e enchiam-se de pontinhos marrons. O mesmo acontecia por todo o seu braço.

Teve que tirar o paletó para observar melhor. Sua pele estava ficando mais mole a cada segundo e sua barriga também parecia maior e molenga.

Levantou-se de um salto e sentiu uma forte dor nas costas. Teve de se escorar na escrivaninha para não cair, segurando com a outra mão as costas. Fez uma careta de dor, tentando raciocinar.

Olhou dentro da calça e viu seu pinto murcho e mole. Estava fraco e os joelhos – ele sentiu ao tocá-los com a mão – estavam ossudos.

– O que fez comigo? – perguntou ao velho que agora não estava mais velho. Ao falar, não reconheceu a própria voz. Parecia ter se tornado mais fraca e cansada de tanto que já falara na vida.

– Não fiz nada que você já não vinha fazendo há muito tempo – disse Onofre, que agora tinha os cabelos sedosos e escuros. Estava bonito e as linhas de seu rosto haviam se atenuado de tal maneira que não eram mais vistas.

– Você está roubando minha vida! – exclamou Fortunio, sentando-se de novo pelo cansaço que o abatia. Queria gritar, mas sabia que não conseguia, que não tinha forças. Suas mãos começaram a tremer e ele sentia como se tivesse vivido anos e anos num só momento.

Onofre sorria, olhando para as próprias mãos. Parecia que nunca iria parar de rejuvenescer. Andou até um canto do escritório onde havia um espelho perto de um cabide de casacos. Olhou-se demoradamente. Sorriu, ficou sério, experimentou diferentes expressões. Não parecia ter mais que trinta anos agora.
Voltou-se para Fortunio.

– Quantos anos você deve ter envelhecido? Cinquenta? Sessenta?

– Ladrão – acusou Fortunio, quase sem forças para falar. – Ladrão. Quando vai parar de rejuvenescer?

– Quando você morrer – respondeu um Onofre jovem, forte e vívido. – O que deve ser a qualquer momento.

Ele aproximou seu rosto do de Fortunio, analisando-o por alguns segundos.

– Devo ter vinte e poucos anos agora – disse, com o rosto a centímetros do dele. Federico já não ouvia bem, mas podia distinguir as palavras do jovem à sua frente e também encarar com ódio suas feições. – E tudo o que eu te dei volta a ser meu quando você morrer. Estava no contrato.

Ele voltou até o espelho e tirou da parede. Tinha uma facilidade juvenil de carregar o objeto tão pesado.

Então ele apontou o espelho para Fortunio.

Era uma imagem horrenda. Ele desfigurado e debilitado, segurando o coração com uma das mãos e o joelho com a outra. Fazia uma careta de dor que deixava suas feições enrugadas ainda mais feias e suas olheiras o davam o ar cadavérico que anunciavam sua morte.

Seu peito doía, mas doía tudo o mais também. Imaginem envelhecer sessenta anos em um minuto! Sim, sessenta anos, porque uma vida longa aguardava por Fortunio, se ele a não tivesse vendido.

A visão foi se perdendo e tudo escurecia de forma que a última coisa que vira antes de morrer fora a si mesmo, daquela forma horrenda e humilhante. E antes que cessasse todo seu sofrimento, Fortunio pôde ouvir a voz jovem e sem piedade de Onofre:

– Morre agora o homem que nunca viveu.


Sobre a Autora:
Érica PradoÉrica Prado tem 17 anos, gosta de coisas fáceis tipo miojo, física, literatura e mudar o mundo.

Comentários
1 Comentários

Um comentário:

Maristela G Rezende disse...

Eu já ouvi falar desse livro mas não o conhecia. Gostaria muito de ler, principalmente agora que li sua resenha. Resenha muito boa.