Por meses dispensei eventos – ora
por estar ocupada, ora por estar ocupada. Frisemos no ocupada. Andei tão
ocupada que perdi o rumo da escrita – tudo que fiz foram poeminhas com palavras
batidas no liquidificador, quase que dadaístas. Não considero isso um elogio e
sim uma ressalva de minha preguiça e falta de criatividade. Era como se o tempo
esmagasse qualquer espaço em meus pensamentos.
Pois bem, aconteceu que num dos
dias onde finalmente tive um tempo livre, fui chamada para dois eventos. Não
que eu considere o primeiro como um evento, ninguém considera. Mas também não
acho que deixe de ser, afinal, em eventos pessoas comparecem, conversam,
participam de uma atividade – um evento poderia ser até mesmo uma consulta em
um hospital.
Acontece que meu primeiro evento
do dia era um enterro. O enterro de uma amiga de minha avó, sendo que essa
mesma nem compareceria e eu nem conheci a senhora em vida. Minha mãe é quem foi
no lugar de minha avó e por não querer comparecer a um cemitério sozinha, pediu
para que eu a acompanhasse – e para convencer-me disso utilizou-se de
argumentos do tipo “será uma boa experiência para que você não sofra tanto
quando for enterrar alguém mais próximo”. Não que isso tenha me convencido, mas
concordei que visitar um cemitério seria mesmo uma boa experiência.
E foi, e em nada agradou minha
mãe que eu tenha definido a visita como ‘’legal’’. Por que tantos estigmas
perante a um cemitério? Devo ressaltar que é um ambiente bastante silencioso,
com muitas esculturas e árvores – um lugar propício à reflexão e uma boa
leitura. Fora essa concepção, é claramente óbvio ser um lugar triste. No
velório o qual compareci só observei uma velhinha chorando, que deveria ser
sobrinha, tia ou algo do tipo da senhora. O filho da mesma sorria um sorriso amarelo
para todos que compareciam e forçava conversas para demonstrar a si mesmo que
estava bem – provavelmente sua ficha não havia caído ainda. Muitos convidados
para o evento chegavam, diziam palavras mansas ao filho, observavam a anfitriã
e iam embora antes mesmo da oração, dizendo que não aguentariam vê-la sendo
enterrada. Confesso que não imaginava ver sorriso num enterro, mas sim, meu
caros, é possível até mesmo de ouvir-se piadas. Também eu imaginava que o corpo
a ser sepultado estaria cinzento, até mesmo necrosado, algo que ninguém
gostaria de olhar por muito tempo. Porém, estava ele todo coberto de flores
demasiadamente bonitas e cheirosas e somente o rosto da senhora é que estava
para ser admirado.
Na capela ao lado da que eu
estava entoavam uma canção, cuja minha imaginação designa como a preferida da
falecida. Essa era uma bisavó de muitos netos chorosos, chorosos mesmo, que não
conseguiam se manter dentro da capela. Eles choravam num banquinho do lado de
fora. Uma das filhas entrava e saía da capela a todo o momento, gritando que a
mãe estava sofrendo naquele caixão, que precisava ser retirada dali... O choro
dela permeava por todo o conjunto de capelas, e conseguia atingir algo em mim,
juntamente com as lágrimas das crianças, tornando-se um aperto no peito ou,
como muitos chamam, certa angústia.
Quando fomos enterrar a senhora
cujo velório eu compareci, eu senti-me passeando pelo cemitério, e me incomodei
com alguns mausoléus por eles serem tão grandes e bem cuidados para pessoas
mortas, visto que muitos barracos em favelas para pessoas em vida são menores do que
aquilo. Além de existirem alguns há mais de um século, ocupando um espaço onde
poderia ter sido enterrada outra pessoa novamente. O enterro da senhora fora
numa parede, e, após depositado o caixão, seu filho pediu com olhar choroso,
mas de veemência, para que todos jogassem uma rosa do buquê o qual ele
carregava. Eu depositei energias das
quais acredito naquela rosa. A parede foi selada com cimento. Os membros mais
próximos à senhora permaneceram ali olhando, e assim encerrou-se o enterro...
Caminhamos de volta até um ponto
de ônibus desconhecido e uma canção da Cássia Eller entoou em minha cabeça em
todo percurso, numa versão nostálgica da Legião Urbana. Deixo o link aqui
anexado para aqueles que talvez queiram entender minha sensação.
Caso, por ventura, alguém queira
ainda saber como fiquei entre a morte e a vida no mesmo dia ao comparecer a
dois eventos, peço que fiquem curiosos e voltem a leitura na próxima oportunidade.
Despeço-me por aqui.
Música: Legião Urbana - Por Enquanto
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