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domingo, 2 de março de 2014

Das águas que te levaram

Da guerra que agora afrontava meu próprio país, eu não me fazia presente. Guerras jamais me importaram, e como eu poderia me importar com tantas mortes de inocentes, se eu mesma não me encontrava mais viva?

Sei que soa egoísta, e sei que soa exagerado. Mas o quão egoísta não é a ideia de milhares de pessoas arriscarem suas vidas para defender as de outras? Eu não vejo como heroísmo. Suicídio, talvez. Ninguém nunca reparou nisso. Ninguém pensaria nisso quando sua própria vida está correndo perigo.

A maioria não pensa nisso por estar muito ocupada imersa em seu próprio desespero. Mas não eu. Há muito já passei dessa fase. Não me preocupo mais com minha própria vida, mas considero se sou digna de tê-la.

Algumas semanas já haviam se passado desde que novos homens foram convocados para a guerra. Ele inclusive. Algumas semanas haviam se passado, e eu ainda não vira o regresso do navio que nos havia separado. Parte de mim acreditava que eu mesma estava enlouquecendo. A outra parte se mantinha plenamente consciente, de tudo que acontecia a minha volta, das notícias da guerra que parecia não ter fim, e de tudo que falavam de mim.

A essa altura, já me chamavam de louca. Eu passava mais tempo no porto do que em minha própria casa. Não possuía mais lágrimas para chorar, ou notícias que me dessem esperança de que ele estava vivo. Em minha mente, não conseguia mais formular frases coesas para uma oração que fosse. Só um pensamento jamais me abandonava: Por que ele, e não eu? Por que ele foi levado para longe, e não eu?

A saudade era parte de mim, bem como meus olhos ou meu coração. Bem como ele. Mas se ele não estava mais comigo, por que deveria eu conviver com a saudade? O cheiro de água salgada confundia meus pensamentos, e eu não sabia mais qual parte de mim era lúcida e qual tentava me iludir. Eu poderia tentar ir atrás dele. Não poderia? Seria mais fácil decidir se eu soubesse qual parte de mim sugeriu um plano tão louco e tão tentador…

Era aquele o mesmo navio que o havia levado de mim, surgindo outra vez no horizonte? Não… Como poderia, se quando pisquei e abri novamente os olhos, ele havia desaparecido? O desespero voltava a tomar conta de mim, aos poucos e acompanhado da frustração. Minha parte lúcida gritava que meus sentidos estavam se perdendo, mas uma parte maior controlava meus passos.

Primeiro uma caminhada, depois uma corrida. Primeiro o piso de madeira do porto, depois a queda. Primeiro o ar, depois a água. Primeiro a solidão, e depois, mais nada. A guerra o tirou de mim, e eu sabia que ele jamais voltaria. Mas estava tudo bem, agora. Eu jamais voltaria, também.
Comentários
1 Comentários

Um comentário:

Danilo Rezende disse...

Textos assim dão aquele apertinho no peito, mas é de uma profundidade linda, parabéns :)