Abri a janela para deixar entrar a poeira.
Os grãos flutuavam luminosos
em sua dança ensaiada,
buscando inspiração no caos.
Tão bonitos eram os grãos de poeiras,
voando como pássaros ao chegar da primavera.
Quase podia vê-los sacudindo as asas
para espalhar a poeira, tão bonzinhos,
e a poeira então entrando
nas janelas desavisadas.
Mas é claro que disso não me lembro.
Mas com a poeira entrou o barulho
– entidade infernal! –,
infantilmente
intruso e,
ao contrário da poeira dançante,
desarmônico.
Não me lembro do barulho,
mas era como o de pássaros.
Abrindo os bicos para espalhar
seu som por aí,
tão malvados,
e o som então entrando
nas janelas desavisadas.
Mas eu não me lembro, nunca, nunca.
E o vento bateu
em meus cabelos
e agitou-os.
Travesso anarquista,
o tal do vento,
e outro que não foi
chamado.
Que ficassem os grãos flutuando
sozinhos,
sem vento,
sem som,
apenas a arte visual e mecânica da dança.
Como os pássaros,
os mesmos pássaros,
que voavam e agitavam
o vento,
tão maus,
e o vento entrava pela janela.
Mas eu não me lembro,
eu não consigo nunca me lembrar.
E vinha a poeira,
e vinha o som,
e vinha o vento,
mas os pássaros
– que abreviariam
tudo isso –
nunca chegavam.
Nunca os pássaros,
com seu som,
com sua sujeira,
com o seu vento.
O vento dos pássaros:
maldito.
É só mais um baile de anotações,
porque eu não me lembro,
nunca, nunca.
Nunca consigo me lembrar
que cor, afinal,
tinham os pássaros.