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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

... dos pássaros que não me lembro




Abri a janela para deixar entrar a poeira.
Os grãos flutuavam luminosos
em sua dança ensaiada,
buscando inspiração no caos.

Tão bonitos eram os grãos de poeiras,
voando como pássaros ao chegar da primavera.
Quase podia vê-los sacudindo as asas
para espalhar a poeira, tão bonzinhos,
e a poeira então entrando
nas janelas desavisadas.

Mas é claro que disso não me lembro.

Mas com a poeira entrou o barulho
– entidade infernal! –,
 infantilmente intruso e,
ao contrário da poeira dançante,
desarmônico.

Não me lembro do barulho,
mas era como o de pássaros.
Abrindo os bicos para espalhar
seu som por aí,
tão malvados,
e o som então entrando
nas janelas desavisadas.

Mas eu não me lembro, nunca, nunca.

E o vento bateu
em meus cabelos
e agitou-os.

Travesso anarquista,
o tal do vento,
e outro que não foi
chamado.

Que ficassem os grãos flutuando
sozinhos,
sem vento,
sem som,
apenas a arte visual e mecânica da dança.

Como os pássaros,
os mesmos pássaros,
que voavam e agitavam
o vento,
tão maus,
e o vento entrava pela janela.

Mas eu não me lembro,
eu não consigo nunca me lembrar.

E vinha a poeira,
e vinha o som,
e vinha o vento,
mas os pássaros
 – que abreviariam tudo isso –
nunca chegavam.

Nunca os pássaros,
com seu som,
com sua sujeira,
com o seu vento.
O vento dos pássaros:
maldito.

É só mais um baile de anotações,
porque eu não me lembro,
nunca, nunca.
Nunca consigo me lembrar
que cor, afinal,
tinham os pássaros.
Comentários
3 Comentários

3 comentários:

Felipe Trevisan. disse...

"É só mais um baile de anotações,
porque eu não me lembro,
nunca, nunca.
Nunca consigo me lembrar
que cor, afinal,
tinham os pássaros."
Lindo, Ericatz. Lindo... Tenho uma "coisa" com pássaros e com cores... E me senti, de alguma forma, íntimo desses versos.

Unknown disse...

Nem sei um comentário especifico para fazer e fiquei procurando um curtir para simplificar. Não achei e vim aqui comentar mesmo sem saber o que dizer, mas não poderia apenas ler e fechar a página. Seus poemas são lindos, como tudo que você escreve, e esse não foi uma exceção!
Não esqueça de juntá-los num livro. =)

Samuel Martins disse...

Esta parecendo comigo na hora de personificar o vento... tão lindo e cheio de si, amei esse texto!