Manhãs frias cheirando a café,
coleção de xícaras enchendo a pia da cozinha, pasta de dente apertada no meio,
paredes pintadas de cinza, três cinzeiros para uma mesa de centro, tocos de
cigarro que não exalam mais fumaça e sua respiração indo e vindo.
O som abafado das buzinas lá
fora, rabiscos na mão esquerda de quem é destro, ressaca nos olhos de alguém
que não é Capitu, céu cinza ou azul a depender do dia, pássaros pontuais
pousando no parapeito da janela, crianças achando que a vida vai ser sempre
bela, a estrela perdida desaparecendo no céu matinal e a sua respiração. Indo e
vindo.
Livros de poesias marcados com
papeis de bombom, manchas de café na ponta do edredom, rimas ocasionais em
papeis sumidos, poesia em quadros como se fosse pintura, chinelos no chão com
um pé longe do seu par, o cinza de dentro competindo com o de fora, o breu da
alma colorindo o azul do dia, a fresta aberta na janela, o arrepiar da pele ao
tocar o vento que passa por ela. E a sua respiração indo e vindo.
O copo d’água no criado-mudo,
óculos empoeirados sobre Álvares de Azevedo, mão pendendo para fora da cama,
dedos quase tocando o tapete, a zoada da geladeira que dá pra ouvir lá da
cozinha, a claridade que a porta entreaberta deixa no chão, o raio de luz que
vem da fresta da janela, o desenho de linha reta que ela forma na parede e a
sua respiração indo. E vindo.
O prisma pendurado na janela
fechada, o sol que não alcançará o cristal até o abrir da janela, o tic-tac do
relógio numa onomatopéia fatalista, o braço que puxa o edredom para cobrir mais
o ombro, o despertar em devaneios que não deixam abrir os olhos, seus dedos
sonolentos acariciando meu cabelo, os olhos ainda fechados de quem não quer
acordar.
E sua respiração.
Indo.
E.
Vindo.
Fiz da sua barriga travesseiro.