Home

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Casa de Ninguém







Não soube lhe dizer adeus, não havia lágrimas. Dela eu não sabia nada, nem o nome ou a idade. Mas podia ver em seus olhos entreabertos que por muito já passara. O que teria lhe dado aquele fim? O que teria seu fim prolongado?
Segurei sua mão quente e despedaçada e lamentei. Disse-lhe que talvez fosse sua hora. Pedi perdão pela demora e pela falta de palavras a lhe dar. Acho que todos em seus últimos segundos gostariam de ouvir algo bom.

Talvez ela quisesse ouvir sobre o quanto era linda, mas eu não via sua face, mal podia definir seus traços, cabelo, roupa e pele queimadas, nada ali era bonito. Nada ali valia ser visto. E também não pude falar sobre seus feitos, sobre a boa pessoa que um dia deveria ter sido, sobre os filhos que talvez tenha tido, os trabalhos que tenha cumprido. Não fui capaz de lhe dizer que o mundo com ela havia sido melhor, que muitos sentiriam sua falta.

Não havia ninguém naquele quarto negro. Só nós, a fumaça e a morte. A sombra negra que esperava silenciosa ao lado da cama. E eu quis derramar muitas lágrimas, mas não me foi possível. O desespero era maior que a tristeza. Meu fôlego já havia se expirado. E a vida estava ali por um triz.

A morte me olhou preparada, a senhora fechava seus olhos e eu esperando a troco de nada. Tudo se foi com ela pela janela. A vida que ninguém ouvira falar. Os sonhos que ninguém mais iria sonhar. Os choros de agonia. As dores caladas. As angústias das noites sofridas. Paralisada.
Talvez o tempo passasse muito devagar. Talvez ela não aguentasse mais esperar. Vi a morte pegar mais uma alma no colo e levar pra casa.

A casa dos que não queriam ir, a casa dos que nunca vieram. Lugar bom para os que nunca, nada, tiveram. Casa de quem procura fugir. Quem se contorce por aqui.
Quem precisa de ar.
Pra revirar.
Desistir.

Depois do fogo que apaguei; depois da cena que presenciei; a morte foi embora tão lentamente que tudo fez sentido. Naquela noite, de coração desamparado, compreendi: o mundo inteiro estava perdido.



Observações finais: Texto inspirado e totalmente dedicado a meu pai, que resgatou das chamas nessa quarta-feira, uma senhora de idade que infelizmente ficou brutalmente ferida. Obrigada, meu pai, pela inspiração que me deu, e parabéns pelo ato de coragem.



Sobre o Autor:
Rhaissa Ramon Sempre tive interesse por escrita e, principalmente, por leitura. Grande fã do escritor peruano Mario Llosa, apaixonada por outros tantos escritores sem papas na língua[...]
Saiba mais
Comentários
1 Comentários

Um comentário:

Coletivo Poesia Marginal disse...

É tão profundo, e nem um pouco pesado. Sério, você me impressiona.