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sábado, 1 de fevereiro de 2014

sobre o medo dos teus olhos




Você sempre repousa os olhos em mim. Teus olhos, que sempre voam e conhecem o mundo, repousam após mais um voo distante. Anos sem te ver. Foram anos? Nem lembro. Parecem-me que sim... Você pousa os olhos e eu, desacostumado com a turbulência do teu voo, desvio o olhar, com medo de que você me descubra. Eu tenho medo que você me leia, sem comprar meu livro; decifre-me, sem me devorar. Eu tenho medo e fujo. Porque fugir é a reação para quem tem medo. Não é a única, mas a mais viável. Tenho medo desses teus olhos de comer fotografia; desses teus olhos de raios-X; teus olhos que me intimidam mais do que correr nu em plena avenida. Que se fodam todos os olhares contemplativos por ver meu sexo livre desfilar na avenida. Eu preferia mil vezes isso a ter seus olhos sobre os meus e as minhas mãos vazias. Nem fumo mais, mas queria ter um cigarro em mãos... Eu tenho medo dos teus olhos porque eles têm um espaço enorme para eu me perder. É o oceano inteiro, porque o mar nunca é suficiente para essa sede que teus olhos têm. E eu tenho medo. Porque teus olhos sabem me esquadrinhar e me chupar até que não reste mais nada sob os panos. Tenho medo e o medo é gatilho psíquico disparado. É reação aos teus olhos. Sempre teus olhos. Se eu ao menos tivesse mais um cigarro... Tenho medo que tua visão abarque todo meu corpo. Minto, disto não tenho medo, adoraria se teus olhos somente me percorressem o corpo. Ainda que me estraçalhasse a carne, ainda que não restasse mais nada intacto do meu corpo... Eu preferiria, se meu emocional permanecesse incólume. Mas porra!, tenho tanto medo que teus olhos adentrem os meus; que percorram os estímulos luminosos e lá dentro encontrem alguma coisa há muito esquecida. Tenho medo que você encontre tudo aquilo que eu te mostrava e que você teimava em não enxergar. Mas agora esse tempo é passado e o passado só convém para a história. Nós não fomos história. Não fomos nenhum Giuseppe ou Anita Garibaldi. Não fomos nenhum Romeu ou Julieta. Sempre fomos ‘ou’. Sempre fomos a conjunção coordenativa. Sempre fomos a partícula ‘se’. Se eu tenho medo da tua incerteza? Um medo que não caberia nesse texto. Eu tenho tantas dúvidas e você não tem nenhuma das respostas. Pelo contrário, você me enche de dúvida da cabeça aos pés e isso me confunde de um modo tão aterrador que eu tomo por mentira toda e qualquer vaidade. Digo: toda e qualquer verdade. Tua indecisão me corrói; corrobora-me o incerto e me atira ao vazio existencial de uma tarde fria e solitária de domingo. A verdade é que eu não quero ser só. Não quero. E tudo que a tua companhia me traz é solidão. É o grito sufocado enquanto se dilacera a garganta com as unhas para ver se ele escapa. Eu quero a paz que você me rouba sempre que pousa seus olhos sobre os meus, pega uma xícara de café e roça a mão na minha, como quem não quer nada. Mas sempre quer. Teu jogo nunca é sem intenção. Teu crime nunca é culposo. E eu canso. Eu já não tenho fôlego em acompanhar essa tua dança em que sempre mudam os pares e eu, número ímpar, fico fora. Cansei. Cansei dos teus olhos me sugarem como um buraco negro e deixando em mim, somente o vazio. Desvio o olhar do teu porque tenho medo. Atravesso a rua para evitar cruzar contigo por puro medo. Não atendo tuas ligações ou finjo que não estou ou que estou ocupado ou doente ou qualquer outra coisa que me afaste de você, ainda que me cause dor, adivinha por quê? Puro medo. Medo da ilusão breve que teus abraços me trazem. Medo da vida monocórdia sem você. Medo dos teus voos assim que teus olhos me consumirem até a última fagulha. Eu tenho medo que você me roube toda a paz que eu construí na tua ausência... uma vez mais.



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