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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O Grande Otário


Todas as noites antes de dormir ele contabilizava os seus ganhos do dia. Planejava o dia seguinte e realmente acreditava que lá na frente, bem no futuro, ele poderia olhar de cima das nuvens e ver que todo o seu esforço valeu a pena. Que torar-se-ia bem sucedido. Que valeu a pena ter ouvido seus pais. Que as lembranças seriam satisfatórias. Que o futuro compensaria o presente.

E, num universo tão grande, cheio de pontos, ele olhava para um só. Traçava uma reta porque é a menor distância entre dois pontos, e ele tinha pressa. Então andava sobre a linha seu anzol. Se torturava quando entortava, emendava quando quebrava, e seguia caminhando sem saber de fato o que era aquele ponto, ou por que queria chegar lá. Sobrevivência? Necessidade? 

E sempre contabilizava os passos dados antes de dormir.


Até que percebeu que dormir era perda de tempo.


Resolveu então ficar acordado e caminhando, para chegar na frente ou pelo menos chegar em vida. Bebia mais água para poder ter com o que suar; gastava mais dinheiro para ter por que ganhar. Comia muito para ter forças, trabalhar e poder comprar comida. E, como não mais dormia, contabilizava tudo acordado mesmo, enquanto andava.


E foi cansando, cansando... Acumulou bagagens que pesavam e então jogou fora o que não precisava: juventude, liberdade, vida, humanidade. Carregava suas responsabilidades e era muito admirado por isso.


Ele realmente andava na linha.


E aconteceu. Sem realmente reparar, como eu disse, que havia outros pontos no universo, ele chegou àquele tão desejado: o ponto onde ele poderia enfim descansar da grande jornada que empreendeu tentando buscá-lo.







Sobre a Autora:
Érica Prado Érica Prado tem 16 anos, pretende cursar história, ouve metal e reclamações o tempo todo. Gosta de coisas fáceis tipo miojo e, portanto, não gosta da vida. Não, você não pode simplesmente gostar dos dois.
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Comentários
4 Comentários

4 comentários:

Blogs do Labedisco disse...

Texto lindo, Erica! Todos nós somos "Grandes Otários" dessa vida. Buscamos tudo nela e acabamos por esquecer de viver real e intensamente. Desperdiçamos nosso tempo, tentando reaver o que perdemos... Perfeito, muito foda!

"Acumulou bagagens que pesavam e então jogou fora o que não precisava: juventude, liberdade, vida, humanidade. Carregava suas responsabilidades e era muito admirado por isso. Ele realmente andava na linha."

Unknown disse...

Muito bom MESMO, Erica!
Parabéns pelo texto e pela ideologia nele depositada. Não adianta nada passar a vida inteira em busca de algo que no final não fará diferença alguma.

Como Gilson falou e disse: Todos nós somos "Grandes Otários".

blog de Adelania disse...

me sinto um pouco otária, mas procurei recuperar o sono, procuro recuperar, por encrível que pareça a juventudo, mas já tenho a vida e a humanidade de volta, carrego minhas responsabilidades sem procurar perder tufo novamente, mas sei que jmais deixarei de ser, nem que seja, uma pequena otária.

Coletivo Poesia Marginal disse...

Muito prazer... meu nome é otario...

Me lembrou engenheiros.