Antes de começar a coluna quero avisar: não sou estudante em específico de
Artes Visuais, História da Arte ou similares, sou somente um amante. Se algum estudante ler a coluna e se sentir ofendido com o conteúdo dela e quiser criticar sinta-se livre, tentarei reparar os erros. E, como
todo amante acha que entende do seu objeto de amor (no caso uma fixação) e resolve ler e pesquisar sempre o que o agrada, recentemente comprei o livro “Tudo Sobre Arte”de Stephen Farthing e
Richard Cork da Editora Sextante. Em uma leitura rápida me deparei com Francis
Bacon, o pintor e uma de suas obras: “Três estudos para uma crucificação”.
Fiquei fascinado.
(cliquem para visualizar melhor)
Criei a coluna para criar discussão, fazer da arte não só objeto de estudo de estímulo visual, mas também sociológico, histórico e filosófico. Porque as artes visuais, assim como a literatura, tem essa abrangência, mas poucos param para fazer ligações entre quadros/esculturas/instalações e temas que problematizam muitas vezes a realidade de muitos.
Não quero fazer uma análise, mas acabarei fazendo sem nem perceber.
Primeiro: a tela é chocante. Corpos retorcidos, cores quentes que transmitem
violência e mutilação – algo que agrada esse aqui que vos escreve. Fui pesquisar
além do livro sobre a vida do pintor, que é parente colateral de outro Francis
Bacon, o filósofo.
A tela de Bacon assume um tom mais do que assustador quando conhecemos o
homem por detrás da dela. Homossexual assumido, expulso de casa pelo pai – um oficial
do exército e treinador de cavalos (animal esse que Bacon era extremamente
alérgico) – quando revelou sua sexualidade. A tela “Três Estudos para uma crucificação”, de 1962, pode narrar toda a dor
do filho diante do genitor que o maltrata. A figura de rosto maldoso no canto
da tela, o homem que olha com certo asco para o corpo mutilado do centro, pode
ser o pai de Bacon. Teorias que fazem com que toda a obra seja repensada. Seria
Bacon o corpo mutilado? Seria ele a figura central que aos olhos do pai é somente
um monte de carne morta? Especulações.
É verídico que muitos pais fazem isso com seus filhos quando descobrem a sexualidade que por anos eles são obrigados a reprimir. Não vou me posicionar sobre questões sexuais aqui, mas sim expor esse fato, que pais maltratam filhos por algo simples, que é a aceitação de como eles são. Não precisa gostar, mas respeito sim, todos devemos. E não só com gays, mas com negros e pessoas que têm doutrinas espirituais diferentes da nossa - respeito é o alicerce de qualquer relação social.
No quadro, o
sangue é natural – afinal humanos não são feitos disso? E há sangue! As paredes
vermelhas ao fundo intensificam ainda mais o horror dos corpos expostos como se
fossem somente pedaços abatidos de um animal. Nossos pedaços abatidos em um
lugar qualquer, expostos em sua totalidade e fraqueza para quem quiser cuspir
em nossos restos. A mortalidade em sua máxima de violência e asco. Morreremos assim, sentido a culpa de sermos o que sermos (deformados!) enquanto o
mundo que também é feio nos rotula, julga e depois nos vira o rosto? Bacon nos
apresenta a delicadeza de nossa vida – e de como ela pode nos ser tirada com facilidade.
O termo crucificação remete ao mártir-mor do
nosso mundo moderno: Jesus Cristo. O que foi crucificado e renasceu. O que
também não foi perdoado pelos seus. Mesmo sendo ateu convicto, Bacon utiliza
temas cristãos em suas telas: uma simples contradição. Porque a arte é feita de
contradições, é transformar o horror das deformações e mutilações em beleza. Em
óleo com areia sobre tela, dividido em três. Mas antes da crucificação tem a via crucis, o caminho da cruz. Só por
usar o termo para dar nome ao seu quadro Bacon evoca sua própria via crucis (mesmo não alegando isso).
Sua tortura pessoal; sua vida. As chicotadas que sofria do pai para “aprender a
ser homem”, mas Bacon sempre foi homem. Porque ser homem é saber aguentar as
consequências e viver conforme suas próprias doutrinas. E sua arte permanece
até hoje para provar que o homem que foi Francis Bacon sobre carregar sua cruz –
caindo três vezes mais se preciso fosse para sobreviver.
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Nascido no inverno de 92, cursa Letras, mas pretende cursar em breve História da Arte. Ama metal como ama artes plásticas, cinema, preto&branco, livros manifestações culturais populares e musicas regionais. Escuta um pouco de tudo - assim como escreve. Só não sabe se descrever. |